Jesus provavelmente nasceu na casa de um parente, não nos fundos de uma pousada


O nascimento de Cristo é popularmente imaginado em um estábulo atrás de uma pousada, talvez cercado por ovelhas e vacas. Mas uma leitura cuidadosa do relato dentro de seu contexto histórico, apoiada por outras evidências textuais e arqueológicas, pinta um quadro diferente. O menino Jesus não nasceu em um estábulo sozinho com os animais, mas em uma pequena casa cheia de gente — justamente o tipo de pessoas que ele veio salvar.

Pousadas e outros alojamentos

Certamente existiam estalagens quando Jesus nasceu. Os romanos construíram extensos sistemas de estradas ligando o império, e as pousadas faziam parte da infraestrutura das rodovias. Mas as pousadas da era romana costumavam ser encontradas ao longo das rodovias entre as principais cidades, onde os viajantes precisavam de paradas para se refrescar. Quando os viajantes chegavam a uma cidade como Belém, eles normalmente buscavam a hospitalidade local — conforme ilustrado pelas viagens posteriores de Paulo. Quando um espaço alugado era necessário em uma cidade, um “cenáculo” acima de uma casa ser alugado — como Jesus fez em Jerusalém para a Última Ceia (Lucas 22:12). Mas não é provável que os viajantes, especialmente um casal pobre como Maria e José, procurem uma pousada ao chegar a Belém. Eles teriam se alojado com parentes.

Afinal, Maria e José estavam viajando para Belém durante um censo, “porque [José] era da casa e linhagem de Davi” (Lucas 2: 4). Isso significa que José tinha parentes em Belém. Era a cidade natal de sua família. É impensável que Maria e José tenham procurado hospedagem em uma pousada em vez de ficar com a família.

Embora as traduções em português da narrativa do nascimento de Lucas mencionem uma “hospedagem” (NAA Lucas 2:7), essa tradução está enraizada na tradição e não na lexicografia. O termo grego usado não é a palavra para uma hospedagem.

O espaço de hospedagem do nascimento de Jesus

Quando Jesus nasceu, Lucas relata que Maria “o envolveu em panos e o deitou na manjedoura, porque não havia lugar para eles na kataluma” (Lucas 2:7). A maioria das Bíblias em português traduz kataluma como “pousada”, "estalagem", ou "hospedaria", mas esse não é o significado usual da palavra.

O termo grego normal para esses termos é a palavra pandocheion. Lucas menciona um pandocheion mais tarde em seu Evangelho, na parábola do Bom Samaritano (Lucas 10:25–37). Nessa história, um viajante samaritano descobre um judeu ferido caído na estrada. Então o samaritano “o colocou sobre seu próprio animal e o trouxe para uma hospedaria (pandocheion)” para cuidar dele lá (Lucas 10:34).

A presença da pousada na parábola do Bom Samaritano mostra que Lucas conhecia o termo grego para pousada (pandocheion). Ele também reconheceu a localização típica da pousada ao longo de rodovias entre as cidades. Mas Lucas não usa esse termo em sua história do nascimento de Jesus em Belém. Em vez disso, Lucas usa o termo kataluma, que se refere ao “espaço de hospedagem” dentro de uma casa típica.

Uma Típica Casa Palestina

O projeto usual para uma casa na antiga Palestina é conhecido como uma "casa com pilares" ou uma "casa de quatro cômodos". Embora alguma variação seja certamente possível, o padrão geral é bastante consistente entre as casas de época.

O andar principal normalmente tinha quatro cômodos divididos em torno dos pilares da casa. Para visualizar o layout, imagine uma letra maiúscula “E” como o formato da casa vista de cima. Cada uma das quatro linhas retas do “E” representa uma sala. Três cômodos são paralelos, indo da frente da casa em direção aos fundos. As duas faixas entre eles (os espaços em branco no “E”) são onde os pilares se erguiam para sustentar a parte superior da casa, dividindo assim o andar inferior em três cômodos. Um quarto cômodo corria perpendicular aos outros ao longo da parte de trás da casa. Essa sala era normalmente usada para armazenamento, enquanto as outras três salas facilitavam as tarefas diárias.

Maquete da casa israelita, Idade do Ferro.

Para casas de dois andares, uma escada conduzia ao alojamento principal, localizado acima. Esse cenáculo era onde a família comia e dormia. Era chamado de “espaço de hospedagem” ou kataluma em grego.

Quando Maria e José foram para Belém, quase certamente procuraram alojamento com parentes locais. Mas a casa onde foram recebidos já estava tão cheia que não havia lugar para eles nesse “espaço de hospedagem” (kataluma) da casa. Portanto, eles, e talvez outros parentes, foram obrigados a permanecer nas salas de eventos no térreo da casa.

A localização da manjedoura

Os implementos das tarefas domésticas provavelmente estavam localizados em uma das salas laterais do andar de baixo. A sala central era como um corredor para o armazenamento nos fundos. E o terceiro cômodo do andar de baixo era onde as cabras e ovelhas da casa eram guardadas.

A maioria das famílias hebraicas não tinha o luxo de uma estrutura especial apenas para animais. Os pastores profissionais podem usar currais de ovelhas da comunidade fora da cidade, mas a maioria das famílias dentro da cidade manteria apenas algumas ovelhas ou cabras para lã e leite. Estas foram encerradas em uma das salas do andar de baixo. Paredes baixas parciais geralmente separavam as três salas funcionais no andar de baixo, e uma manjedoura para os animais foi colocada no topo da barreira baixa entre a sala central e o curral dos animais.

Na casa onde Maria e José se hospedaram naquela noite, o espaço de hospedagem (kataluma) no andar de cima estava cheio. Isso os obrigou, e talvez a outros, a passar a noite no andar de baixo. E sem espaço para colocar o bebê nascido em tais condições, a nova mãe colocou a criança na manjedoura no muro baixo ao lado dela.

A presença de outras pessoas na casa

Suporte adicional para essa leitura surge mais tarde na narrativa de Lucas. De acordo com Lucas, os anjos relataram notícias do nascimento a pastores nos campos próximos. Os anjos disseram-lhes que um bebê nascido em Belém naquela noite era “o Salvador, que é Cristo Senhor” (Lucas 2:11). Os pastores, pois, apressaram-se à cidade para encontrar a criança, “e quando o viram, fizeram saber o que se dizia a respeito desta criança. E todos os que a ouviram se admiraram do que os pastores lhes disseram ” (Lucas 2: 17–18).

A frase “todos os que ouviram” sugere que havia muito mais pessoas do que apenas Maria e José na casa naquela noite. Segundo Lucas, o relato dos pastores começou no momento em que viram a criança. E Lucas em parte alguma sugere que os pastores deixaram o presépio para bater nas portas e acordar outros para contar a eles também. O “todos” que Lucas menciona parece indicar outros inquilinos na mesma casa com Maria e José quando os pastores chegaram. Era uma casa lotada, não um estábulo solitário.

Reimaginando a Natividade

Leitores posteriores interpretaram mal a narrativa de Lucas por causa de sua falta de familiaridade com a prática de hospedagem de animais e instalação de uma manjedoura dentro da casa da família naquela época. Além disso, a menção de uma “manjedoura” no relato gerou suposições de que o evento ocorreu em um estábulo. Mas as evidências textuais e arqueológicas nos ajudam a visualizar melhor o cenário do nascimento de Jesus como uma casa cheia de tias, tios, primos e outros parentes distantes da família de José na linhagem de Davi.

Repensar o cenário do presépio pode não mudar o significado do evento, mas ajuda os leitores a imaginar a cena de forma diferente. Essa perspectiva destaca os viajantes pobres, oprimidos e cansados que se aglomeraram ao redor do bebê naquela noite. Esta leitura é uma boa forma para atualizar nossa visão, e importância, da reunião familiar que deu contexto ao nascimento do nosso Senhor e Salvador Jesus.


Tradução do original “Jesus Was Probably Born in a Relative’s House, Not an Inn”, publicado no site The Biblical Mind, por Michael LeFebvre, PhD (Aberdeen), ministro presbiteriano que mora em Indianápolis, Indiana, e membro do Center for Pastor Theologians.

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