Decifrando a Estrutura da Bíblia: Um Guia Acessível

Você já se perguntou como a Bíblia, com tantos livros e histórias, é organizada? Não é apenas uma coleção aleatória de textos, mas sim uma biblioteca cuidadosamente estruturada que se desdobra ao longo de séculos de história e pensamento. Vamos desvendar essa estrutura juntos, de forma simples e direta!

A Grande Divisão: Antigo e Novo Testamento

A divisão mais óbvia e fundamental da Bíblia é em duas partes principais, chamadas Testamentos. Mas o que significa “Testamento”?

A palavra vem do termo hebraico “berith“, que significa “aliança”, “contrato” ou um “acordo entre duas partes”. O termo grego “diathēkē” é a palavra geralmente traduzida como “testamento”, mas nas versões mais modernas da Bíblia, tem sido corrigida para traduzir como “aliança”.

Essencialmente, a Bíblia conta a história de duas grandes alianças entre Deus e o Seu povo. A primeira parte, o Antigo Testamento, é chamada de antiga aliança. Essa aliança foi primeiramente chamada assim nos dias de Moisés. A segunda parte, o Novo Testamento, é chamada de nova aliança. Jeremias anunciou que Deus faria uma “nova aliança” com Seu povo, e Jesus afirmou estar realizando essa nova aliança na Última Ceia.

A relação entre essas duas partes é lindamente descrita por Santo Agostinho: “…o Antigo Testamento revelado no Novo; o Novo oculto no Antigo…”. Em outras palavras, o Novo Testamento está contido no Antigo, e o Antigo é explicado no Novo. Para os cristãos, o Cristo é o tema central das duas alianças.

As Formas Antigas da Bíblia: Hebraica e Grega

A forma como os livros da Bíblia foram agrupados mudou ao longo da história.

1. A Forma Hebraica (Tanakh)

A divisão mais antiga da Bíblia hebraica provavelmente era dupla: a Lei e os Profetas3. Essa distinção aparece no Novo Testamento e é confirmada por judeus e Manuscritos do Mar Morto3. No entanto, a Bíblia judaica acabou se organizando em três seções principais, totalizando 24 livros (ou 22, dependendo de como alguns livros são contados)5. Essa é a organização conhecida como Tanakh:

Torá (Lei): Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio;

Nevi’im (Profetas): Profetas Anteriores: Josué, Juízes, Samuel, Reis; Profetas Posteriores: Isaías, Jeremias, Ezequiel, Os Doze Profetas Menores;

Ketuvim (Escritos): Livros Poéticos: Salmos, Jó, Provérbios; Os Cinco Rolos (Megilloth): Rute, Cântico dos Cânticos, Eclesiastes, Lamentações, Ester;

Livros Históricos: Daniel, Esdras-Neemias, Crônicas

Essa classificação tripartite é mencionada por Jesus, pelo filósofo judeu Fílon de Alexandria, e por Flávio Josefo. Um dos testemunhos mais antigos dessa divisão vem do prólogo do livro de Eclesiástico, datado do século II a.C.

2. A Forma Grega (Septuaginta – LXX)

As Escrituras hebraicas foram traduzidas para o grego em Alexandria, no Egito (c. 250-150 a.C.)7. Essa tradução, conhecida como Septuaginta, introduziu mudanças básicas no formato dos livros7. A tradição alexandrina organizou o Antigo Testamento de acordo com o assunto, e essa é a base da classificação atual8.

A Septuaginta agrupa os livros em quatro grupos:

Lei (Pentateuco) — 5 livros: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio;

História — 12 livros: Josué, Juízes, Rute, 1Samuel, 2Samuel, 1Reis, 2Reis, 1Crônicas, 2Crônicas, Esdras, Neemias, Ester;

Poesia — 5 livros: Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cântico dos Cânticos;

Profetas — 17 livros: Isaías, Jeremias, Lamentações, Ezequiel, Daniel, e os 12 Profetas Menores como Oseias, Joel, etc;

Essa organização grega tem um número diferente de livros em comparação com a lista hebraica.

A Forma Latina e a Bíblia Contemporânea

A Bíblia Latina (a Vulgata, traduzida por Jerônimo c. 383-405) seguiu a ordem da Septuaginta. Embora Jerônimo estivesse familiarizado com a divisão hebraica, a cristandade favoreceu a versão grega. Portanto, a adoção da classificação quádrupla da Septuaginta na Vulgata foi natural.

Durante mil anos, a Vulgata foi a versão padrão da Bíblia para a cristandade. Era de se esperar, então, que as primeiras Bíblias em inglês (como a de Wycliffe) seguissem as divisões de sua predecessora latina. Consequentemente, a divisão quádrupla do Antigo Testamento e a divisão similar do Novo Testamento se tornaram a divisão tradicional desde então.

As Bíblias contemporâneas em inglês (e, por extensão, a maioria das Bíblias em português) seguem uma ordem temática, e não cronológica, diferentemente da Bíblia hebraica. Contudo, dentro dessa estrutura temática geral, há uma lista semi-cronológica dos livros, de Gênesis ao Apocalipse.

Essa ordem não é puramente arbitrária. Ela evidencia que seu direcionamento é proposital, organizada em categorias significativas que apresentam o desenrolar histórico do drama da revelação redentora.

A Estrutura Temática e o Centro: Cristo

A estrutura da Bíblia, especialmente na forma contemporânea, é profundamente cristocêntrica. Isso significa que Cristo não é apenas o tema de ambos os Testamentos, mas pode ser entendido como o tema na sequência de cada uma das seções das Escrituras.

Veja como as seções principais da Bíblia, na organização temática, se relacionam com Cristo:

No Antigo Testamento:

1. Lei: É o fundamento para Cristo…. Nela, Deus escolheu (Gênesis), redimiu (Êxodo), santificou (Levítico), guiou (Números) e instruiu (Deuteronômio) a nação hebraica, por meio de quem abençoaria todas as nações2.

2. História: Mostra a preparação para Cristo. Os Livros Históricos mostram como a nação estava sendo preparada para executar sua missão redentora e para a vinda do Salvador. É onde as nações lançam raízes em preparação para Cristo.

3. Poesia: Representa a aspiração por Cristo. O povo olha para o alto e aspira a Cristo. Essa seção revela a vida espiritual e expectativas proféticas ou messiânicas.

4. Profecia: Expressa a expectativa de Cristo. Os Profetas olham à frente na expectativa de Cristo. Ilustram a vida espiritual e as expectativas proféticas ou messiânicas.

No Novo Testamento:

O Novo Testamento também é organizado em quatro temas principais: Evangelhos, Atos, Cartas e Apocalipse. Os primeiros pais da igreja centraram os livros do Novo Testamento nesses quatro grupos9.

1. Evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas, João): Registram a manifestação histórica de Cristo. Eles impulsionam a expectativa messiânica. Ali, o Salvador prometido torna-se presente; o oculto é revelado; o Logos penetra o cosmo quando Cristo é manifestado na carne. Os Evangelhos oferecem uma manifestação quádrupla de Cristo, sendo visto em sua soberania (Mateus), em seu ministério (Marcos), em sua humanidade (Lucas) e em sua divindade (João). Os Evangelhos registram as obras de Cristo e de seus discípulos.

2. Atos: Relata a propagação de Cristo. Depois que Cristo morreu e ressuscitou, os discípulos foram comissionados a levar o relato de sua manifestação “aos confins da terra”. É aqui que é registrada a propagação da fé em Cristo. Atos registra as obras de Cristo e de seus discípulos.

3. Cartas: Oferecem a interpretação e aplicação de Cristo. As Cartas revelam a doutrina conforme ensinada pelos apóstolos. São os primeiros relatos do fundamento histórico do cristianismo neotestamentário, oferecendo interpretação didática e aplicação dele. As Cartas foram subdivididas em paulinas (treze) e gerais (oito).

4. Apocalipse: Encontramos a consumação de Cristo. É o capítulo culminante da revelação cristocêntrica, onde todas as coisas encontram sua consumação em Cristo. O “paraíso perdido” de Gênesis torna-se o “paraíso recuperado” no Apocalipse. Tudo é reunido nele.

Conclusão

A Bíblia é, portanto, um único livro (um biblos) dividido em dois Testamentos, ou alianças, que estão inseparavelmente relacionados. O Novo Testamento está oculto no Antigo, e o Antigo está revelado no Novo.

Ao longo dos séculos, sua estrutura evoluiu, da divisão tripla hebraica à quádrupla temática da Septuaginta e da Vulgata, que prevalece nas Bíblias modernas. Essa estrutura atual não é aleatória; pelo contrário, ela forma um todo significativo e intencional, transmitindo o desenrolar progressivo do tema da Bíblia na pessoa de Cristo.

Compreender essa estrutura nos ajuda a ver como cada parte da Bíblia se encaixa na grande narrativa de Deus e aponta para Jesus Cristo, que é o coração e o centro de tudo. É uma jornada incrível do fundamento à consumação, toda focada Nele.